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Foto do escritorUniversidade do Oceano

Salinas e Aquaculturas: do conflito à harmonia

Por Zara Teixeira

Fotografia: Zara Teixeira. Salina do Corredor da Cobra.


Nas salinas da Figueira da Foz, a “barcada era mais dura que a redura”, sobretudo quando o “esteiro” que dava acesso do barco ao “barracão” era pouco profundo. Nesta situação, as mulheres tinham que ir por cima das “motas” puxando o barco “à sirga” para ajudar os “barqueiros”.

Se esta frase lhe diz alguma coisa, provavelmente trabalha ou trabalhou nas salinas, ou tem uma paixão rara pela atividade salineira tradicional. Se não compreendeu nada do que leu, então estará na hora de conhecer a gíria.

Neste momento estará a pensar “Um dia farei isso. Irei descobrir mais sobre a linguagem típica dos homens e mulheres que trabalham o sal”. Mas esse dia poderá nunca vir a acontecer. Porquê? Precisamente porque a redura (o ato de juntar o sal marinho) é uma atividade muito dura e, ao longo dos anos, o entusiasmo pela extração de sal foi desaparecendo. Até que chegamos aos dias de hoje e o que vemos são salinas abandonadas, com pouca mão-de-obra e sem a juventude de outros tempos. E, claro, também sem memória daquela linguagem única.

Mas como nada se perde e tudo se transforma, o que se observa é a substituição das salinas abandonadas, por tanques de aquacultura, onde é produzido peixe, bivalves (como as ameijoas e as ostras) e algas. Esta transição fez soar os alarmes. Poderá a aquacultura provocar o desaparecimento da salicultura? Queremos essa realidade?

Ambas as atividades trazem benefícios. A salicultura dá-nos o sal marinho rico em sais minerais e plantas com elevado teor em sal, como a salicórnia. A aquacultura dá-nos o pescado que precisamos para nos alimentarmos. Ambas poderão ajudar no combate às alterações climáticas e a melhorar a qualidade da água. No caso da salicultura, tal depende das espécies de plantas que convivem com a atividade. No caso da aquacultura, tal depende das espécies e das técnicas de produção utilizadas.

Há, no entanto, algo único na atividade salineira, que é urgente preservar. A sua história. A nossa história. A história de Portugal e de um povo que no mar se fez gente. E esta história permanecerá viva, tanto quanto viva permanecerá a extração de sal tradicional.

Há também algo único na aquacultura que é urgente incentivar. A sua capacidade para nos dar alimento de qualidade, diminuindo a necessidade de pescar animais selvagens.

A realidade que queremos é então aquela em que as duas atividades vivem lado a lado. Infelizmente, os conflitos acontecem. Ora porque a quantidade de água nos viveiros (tanques de armazenamento de água) e esteiros (braços de rio que se estendem terra dentro) não é suficiente para todos. Ora porque há salinas que estão em tão boas condições que deveriam ser reativadas e não transformadas. Ora porque as motas (terrenos altos que delimitam as salinas e as aquaculturas) ficam frágeis com as aquaculturas. Ora porque os barracões onde se armazena o sal não podem ser partilhados entre estas duas atividades.

Mas se conhecermos a origem destes conflitos, então também podemos evitá-los. E a forma mais simples de o fazer é descobrindo os melhores locais para cada atividade. Historicamente, já conhecemos os locais das salinas. Portanto, vamos concentrar-nos em descobrir quais os melhores locais para as aquaculturas, sem nunca esquecer que queremos evitar o conflito.

E que locais são esses? Perto do rio, para permitir captar água diretamente; em zonas com a melhor qualidade da água possível para garantir a melhor produção de peixe; com acesso através de carro; ocupando espaços há muito abandonados; ao lado de outras aquaculturas; e o mais longe possível de uma salina.

Mas isto não chega para evitar o desaparecimento da atividade salineira tradicional. A pressão da aquacultura pelos benefícios financeiros pode ser muita. Por isso, cabe-nos também a todos nós zelar pela manutenção da atividade centenária que é a salicultura. Seja comprando os seus produtos, visitando os seus espaços ou incentivando a reativação de salinas."

E quem sabe, um dia os barcos voltarão aos “esteiros” que dão acesso aos “barracões” e poderemos novamente ver as mulheres por cima das “motas” puxando o barco “à sirga” (pelo cabo) para ajudar os “barqueiros”.


Zara Teixeira é investigadora e coordenadora do projeto Universidade do Oceano.

Este foi o seu trabalho final apresentado no curso Comunicar Ciência Clara.

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